CPI em tempos de cólera: a responsabilidade política do Presidente da República, por Maurício Zandomenico

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Um dos pilares sustentadores do estado democrático de direito é, sem dúvida, um complexo legislativo escrito, rígido e, em regra, imutável, que define e norteia todos os outros corpos legislativos que estão a seus pés. Estamos falando, por óbvio, da Constituição Federal. Tal conjunto normativo, além de servir como parâmetro para outros atos e legislações, é a norma balizadora da postura estatal em sua excelência, estabelecendo os direitos e deveres dos órgãos componentes da máquina pública, além de esquematizar todo o complexo regular das normas fundamentais do direito.

Malgrado na forma republicana, federativa e democrática da nação, a vontade popular, depois de atingidos os requisitos de elegibilidade, é a única forma para o indivíduo alcançar, em situações normais, qualquer cargo público. Daí se depreende a necessidade de todos os cargos eletivos serem temporários, já que a vontade popular está em constante mudança, e essa, de toda forma, é a que rege a política nacional e o próprio estado de direito. Neste lanço, intrinsecamente ligado à democracia nacional, o presidente da república não é o Estado, não é, como diria Luís XIV, o Estado Absoluto, é, apenas e nada mais, titular de um cargo político, dependendo, para todos efeitos, da vontade popular.

Neste contexto, longe do obscurantismo de outrora, há de se reverenciar a Constituição Federal, que trouxe mecanismos para coibir qualquer excesso e conduta desidiosa de qualquer agente público, não importado seu poder ou grau de hierarquia. Assim, mesmo com a grandiosa força política que detém o presidente da república, suas ações devem estar consoantes com o texto constitucional, padecendo, se contrário for, de franca e evidente ilegalidade, gerando, por conseguinte, possibilidade de responsabilização, estendida, inclusive, a seus ministros de Estado. Neste norte, acertadamente, no objetivo de investigar, de fato, todos atos do presidente, surge, na CF/88, a Comissão Parlamentar de Inquérito.

O artigo 58, §3º, do aludido texto legal dispõe que o Congresso Nacional poderá criar comissão, que terá poder investigativo próprio das autoridades policiais, para averiguar se fato certo e determinado, pode impor ao presidente – e seus ministros -, alguma responsabilidade. Ao fim do processo investigatório, os membros da comissão encaminharão relatório ao parquet para que este, se for o caso, tome as medidas jurídicas necessárias.

Aliado à responsabilidade oriunda da denúncia do Ministério Público, outro caminho pode ser levantado ao fim da CPI. Trata-se de controle predominantemente político, exercido pelo Congresso Nacional, podendo-se guinar à responsabilidade política do presidente, ensejando na abertura do processo de impeachment. Para tanto, o relatório final da CPI pode apontar a ocorrência de crime de responsabilidade, descritos no artigo 85, da CF/88 e na Lei 1079/50. Tal delito ocorre quando o presidente põe em xeque a segurança nacional e as instituições do Estado, ou seja, age fora do esperado pelo cargo, com larga irresponsabilidade. Comprovado tal delito, o presidente da Câmara dos Deputados, com a maioria absoluta da Casa poderá instaurar a abertura do aludido procedimento, encaminhando-o, por conseguinte, a julgamento, que será realizado pelo Senado Federal.[1]

Não é redundante salientar que estamos diante abertura de processo oriundo do exercício de controle repressivo político do Congresso Nacional, não há, no tramite do processo de Impeachment, em nenhum momento, a participação do Poder Judiciário. A sanção está descrita no artigo 52, parágrafo único, da CF/88: tonificada a ocorrência de crime de responsabilidade, o presidente da republica, por 2/3 dos votos do Senado Federal, será imediatamente afastado de seu cargo, ficando inabilitado, em oito anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, podendo incorrer em tipo penal comum e/ou atrair para si responsabilidade civil, podendo ser manejada, inclusive, ação civil pública[2] para ver alcançada tal responsabilização.

Por mais dantesca que seja a ideia de um presidente ser tão incauto a ponto de ser submetido a procedimento investigativo tão rígido e singular, a normatização de tal mecanismo no texto constitucional é de suma importância, já que, além de trazer maior segurança jurídica, resguarda os excessos cometidos pelo Chefe do Executivo, figura que se espera o máximo no tocante à probidade, lisura e comedimento ao comando da máquina pública, cujo norte deve ser a vontade e necessidade do povo brasileiro.

REFERÊNCIAS

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 21ª Ed., São Paulo, Saraiva: 2017;

SOUSA, José Augusto Garcia de. Mortes pela Covid-19: admite-se ação civil pública em face (da pessoa) do presidente, 18/03/2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mar-18/garcia-admite-acao-civil-publica-face-presidente;

PRADO, Luiz Regis; SANTOS, Diego Prezzi. Infração (crime) de responsabilidade e impeachment. Revista de Direito Constitucional e Internacional, Vol. 95/2016, p. 61-80, Abr – Jun/2016, Revista dos Tribunais.

[1] Saber se deve ou se será instaurado processo de impeachment contra o atual presidente, além de não ser o foco do presente estudo, é ciência que ultrapassa os saberes do autor, razão pela qual deixo de tecer considerações sobre o assunto.

[2] https://www.conjur.com.br/2021-mar-18/garcia-admite-acao-civil-publica-face-presidente

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