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A cadeia de custódia foi incluída pelo Pacote Anticrime nos artigos 158-A a 158-F do CPP. Trata-se, portanto, do caminho percorrido pela prova desde o conhecimento da prática de uma infração pelas autoridades encarregadas da persecução criminal até o momento em que, constatada a ocorrência de vestígios e realizados os exames necessários, for produzido o laudo pericial e descartado o material que serviu de base para a perícia. Em suma, a cadeia de custódia tem por objetivo, preservar todas as etapas da prova de modo a possibilitar, em cada uma delas, o rastreamento de tudo que aconteceu anteriormente e a verificação da legalidade e da licitude dos procedimentos.
O artigo 158-B, dos incisos I ao X, traz todas as fases que o vestígio deve passar até o descarte, por exemplo o reconhecimento (primeira etapa), compreendido pelo ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção pericial. Todo esse cuidado é necessário e justificado, vez que, quer-se impedir a manipulação para incriminar ou até mesmo isentar alguém de responsabilidade, bem como para obter uma melhor qualidade na decisão judicial.
Os fundamentos da cadeia de custódia vão muito além, não se limitando a presumir uma boa ou má-fé dos agentes policias/estatais que manusearam a prova, mas sim, de garantir uma prova independente da problemática em torno do elemento subjetivo do agente. Essas exigências vão projetar efeitos para o processo, como uma forma de diminuir a discricionariedade judicial, fazendo com que a decisão judicial se baseia em critério objetivos e não dependa da simples valoração da prova feita pelo magistrado.
Observa-se que a cadeia de custódia é de suma importância para todas as partes do processo penal, uma vez que possibilita a acusação e a defesa uma melhor atuação e ao órgão julgador maior segurança ao formar sua convicção. Entretanto, uma eventual irregularidade cometida no trajeto do vestígio, se não for possível apurar a legitimidade das fases que a compõem, ter-se-á hipótese de quebra da cadeia de custódia, gerando implicações na validade dos elementos de convicção produzidos e materializados no laudo pericial.
Uma questão relevante: qual a consequência da quebra da cadeia de custódia em termos de vício processual?
Alguns doutrinadores se posicionam no sentido de que a quebra da cadeia de custódia não acarretaria uma nulidade processual, mas sim, esse vício teria que ser atribuído a um “menor valor do meio de prova”, ou seja, considerar como elemento probatório, porém agregando-o a outros elementos que, também, concorram para a prova de materialidade de um crime ou da situação que se pretende retratar com a prova pericial.
Por outro lado, alguns doutrinadores que compartilhamos nosso entendimento defendem que a quebra da cadeia de custódia torna a prova ilícita com o consequente desentranhamento dos autos, é o que estabelece o artigo 157 do Código de Processo Penal, vejamos:
“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.
Importante que não se confunda a teoria das nulidades com a teoria da prova ilícita, mesmo que ainda ambas se situam no âmbito das nulidades processuais, guardam uma distinção crucial, não raras vezes esquecido. Não se aplicam às provas ilícitas as teorias da preclusão ou do prejuízo, podendo, portanto, ser suscitado em qualquer momento e grau de jurisdição.
Além disso, tal orientação possui respaldo pretoriano, pois, antes mesmo da edição da Lei 13.964/2019, a qual introduziu os artigos 158-A a 158-F no CPP, a jurisprudência já se manifestava, sobre a cadeia de custódia, nesse mesmo sentido:
“tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova ilícita (STJ, HC 462.087/SP, DJ 29.10.2019)”.
Ora, se este é o contorno dado a cadeia de custódia, visando assegurar a confiabilidade da prova com vista à efetivação de garantias constitucionais do investigado ou acusado, nada mais lógico que a ocorrência de situações nas quais impedem a preservação da história cronológica dos vestígios em cada uma das etapas da cadeia, implica na ilicitude da prova e não apenas a redução do seu valor probante.
Outrossim, entendemos que, além do desentranhamento da prova considerada ilícita, pela quebra da cadeia de custódia, as provas derivadas desta também devem ser desentranhadas, salvo se não comprovar o nexo de causalidade entre estas ou for possível obter de outra fonte as provas derivadas, é o que disciplina o artigo 157, parágrafo único do Código de Processo Penal.
Outra questão relevante é, como já fundamentado acima, a quebra da cadeia de custódia, gera a ilicitude da prova e, por consequência, o desentranhamento da mesma. Entretanto, o simples desentranhamento da prova não gera efeito quando o magistrado que teve contato com ela será o mesmo que irá proferir a sentença ou acórdão. Vejamos, a lei proíbe que o juiz utilize como fundamento as provas ilícitas, porém, é notório os reflexos do conhecimento das provas ilícitas na convicção do magistrado, uma vez que, mesmo que as evidências tenham sido excluídas do processo, permanecerão na memória.
Ora, por mais que o artigo apenas proíba que se profira sentença ou do acórdão com base na prova ilícita, é manifesto os atos de imparcialidade do magistrado durante a instrução, após o conhecimento do conteúdo probatório ilícito, podendo, na prática, ter o mesmo resultado da manutenção desta no processo, uma vez que é impossível controlar o inconsciente, afetando diretamente a convicção subjetiva do juiz sobre o caso.
Diante todo o exposto, espera-se que os vestígios ilícitos sejam desentranhados dos autos e, após uma análise pormenorizada dos autos, as provas derivadas sejam também excluídas do processo, a fim de assegurar o devido processo legal. Além do mais, para que tudo seja garantido, é necessário, com o desentranhamento das provas ilícitas dos autos, a substituição imediata do magistrado, preservando a imparcialidade.